quinta-feira, 5 de agosto de 2021

      A Ametista e o beija-flor

 

     No longínquo e rochoso mundo mineral, onde habitavam as pedras preciosas, o rei Diamante com firmeza e austeridade comandava os seus súditos. Todas as pedras lhe obedeciam e mantinham suas características de brilho, cor e dureza. Fraturas e variações não eram permitidas. E assim, rubi, safira, esmeralda, água marinha, turmalina, granada, ametista, topázio e turquesa aguardavam petrificadas o momento mágico da extração, quando seriam finalmente lapidadas.

     A ametista tinha uma estranha afinidade com a esmeralda, ambas gostavam muito de ler.

     Ametista lendo, descobriu o significado do seu nome “não intoxicar” e ficou sabendo que poderia ser usada como amuleto contra a embriaguez.  O livro de mitologia fazia citação ao seu nome, seria ela uma ninfa transformada em cristal transparente para se proteger do assédio de Baco, e ele por puro deleite mergulho-a no vinho mudando a sua cor para violeta. Ela ria e se divertia, imaginando o quanto de coisas ela poderia ser.

     Esmeralda se gabava de ser a deusa verde de todas as pedras, pedra do amor, da fertilidade e da reencarnação para os egípcios, que a usavam nas múmias com a esperança da juventude eterna. Também os gregos a relacionavam a Afrodite, a deusa do amor. 

      Ametista e Esmeralda não sabiam exatamente o que era o amor, mas sabiam ler e desejavam ardentemente conhecer o mundo exterior. E durante muitos anos a leitura bastou para as duas.

     Numa manhã, o rei Diamante saiu do palácio para fazer sua inspeção, queria verificar se todas as pedras encontravam-se nos seus devidos lugares, protegidas da luz do dia e do aquecimento que poderiam danificá-las.  De repente, ouviu uma risada alta e espiando para o interior da jazida, viu Ametista lendo para Esmeralda. O rei Diamante que nunca havia aprendido a ler, não conseguiu esconder a sua inveja.  

     Elas com medo fecharam imediatamente o livro e abaixaram a cabeça numa postura de submissão.  O rei furioso começou a crescer, crescer, crescer... A ira o transformou em um gigante avermelhado e pequenas fraturas começaram a surgir. Num estrondo jamais ouvido, o rei Diamante se despedaçou e todo o reino mineral se desorganizou.

     Duas lascas acertaram as pedras leitoras e curiosas.  Ametista e Esmeralda foram transformadas.

     Ontem mesmo, buscando inspiração para a minha escrita, observava a natureza e esperava um sinal.  Quando vi, dançando na minha frente e rapidamente parando no ar, um beija-flor, muito pequeno, coberto de escamas de verde esmeralda e com a cabeça violeta. Ele beijava intermitentemente uma ametista, atraído talvez pela cor, o cheiro ou o sabor. Seja lá o que o capturou, ele se tornara prisioneiro do prazer proporcionado por aquela flor.

     A flor e o beija-flor enfeitiçaram o meu pensamento por horas e dias e fiquei imaginando que aquele pássaro não era apenas um beija-flor e aquela ametista não era apenas uma flor.

 

    

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