sexta-feira, 13 de agosto de 2021

  

A menina da foto preto e branco

 

    A menina parecia desconfortável e apertada com aquele cinto afivelado na cintura, o vestido branco recém passado e engomado tolhia seus movimentos, mas o bordado em volta do pescoço e as mangas fofas davam-lhe um falso ar de delicada leveza. Enfeitada com os presentes do batizado, trazia no pescoço o cordão com a medalhinha de algum santo de fé da família, brincos de bolinha e a pulseira com o nome gravado. Os sapatinhos com as solas limpas e novinhos em folha mostravam o quanto ela foi preparada para posar para aquela foto. Seu rosto sério e olhar compenetrado já traçavam a sua personalidade, mas suas mãos em posturas conflitantes deixavam escapar a sua inquietude. Enquanto a mãozinha esquerda pousava, espalmada e relaxada sobre o vestido, a mãozinha direita se fechava, amassava o vestido, contraia o braço e elevava o ombro, numa tensão indisfarçável.

Agora a menina cresceu e aprendeu que as emoções estão além da dualidade e que a vida pode ser colorida.

Ela não precisa ser ora Ártemis, ora Afrodite. Ela não precisa ser deusa, pode ser apenas humana e vulnerável.

A menina da foto preto e branco não precisa mais posar.

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