quinta-feira, 5 de maio de 2022

 

O VESTIDO

Conto baseado no poema CASO DO VESTIDO de Carlos Drummond de Andrade

     No dia da morte do pai, nossa mãe não economizou esforços para que o seu corpo frio fosse velado com o melhor. O caixão foi colocado no centro da mesa de jantar sobre uma toalha branca de renda. O cheiro das camélias adocicava o ar.

     Mãe chegou na sala vestindo seu vestido de festa, o mesmo que usou no casamento de tia Flora, estava perfumada e com os cabelos bem penteados. Poucas vezes a tinha visto tão linda. Trazia um sorriso enigmático no rosto.

     Com um puxão violento arrancou do prego aquele vestido de renda amarelado pelo tempo, consumado, que durante anos ficara pendurado na parede da sala. Coloco-o em uma bandeja e atiçou fogo.

     Enquanto o vestido queimava diante do corpo do meu pai, nossa mãe servia um café com broinhas de milho aos poucos parentes e vizinhos.

     Enquanto caminhava para o cemitério que ficava a algumas quadras de nossa casa, abraçada a minha mãe, eu pensava com tristeza no pai e na história do vestido.

     Lembrei-me do dia que o pai saiu de casa, penso que tinha uns seis anos e minha irmã oito. Ele era um homem bonito e forte, trajava um belo terno de linho e um chapéu de palha. Montado no seu cavalo partira para uma grande aventura. Nossa mãe nos disse que ele logo voltaria com muito dinheiro e que seríamos ricos.

     Diariamente imaginava meu pai conquistando reinos, lutando contra dragões, salvando princesas prisioneiras em castelos, vencendo os mais violentos inimigos. O pai era o meu herói. O tempo passava e a mãe não se entregava, costurava, fazia doce, lavava roupa para fora. A mãe não chorava.

     Um dia nosso pai retornou, eu já não era mais criança, uns dez anos se passaram.

     Agora estava feio, de roupa velha, magro, destruído, perdera os alvos dentes, seus olhos se apagaram. A grande  aventura havia consumido meu pobre pai.

     Deu para minha mãe aquele vestido de renda que nela não cabia e que por outra fora usado. Mãe pregou na parede da sala o vestido sem dizer palavra.

     Pai então passou a dormir no celeiro, comia pouco o resto que sobrava, não se ouvia sua voz. Uma dor o devorava. Minha mãe só remoçava e nos dizia que o pai estava doente.

     — Mãe, de quem era o tal vestido?

     — De uma bruxa, minha filha, que afastou seu pai de nós por muitos anos. Seu pai arrancou-lhe o coração e me trouxe o seu vestido.

  Em busca da cura     O ciclo se repete, mas eu continuo viva. Como é difícil me aceitar, imperfeita, dissimulada e tão errante. Co...