O VESTIDO
Conto baseado no poema CASO DO VESTIDO de Carlos
Drummond de Andrade
No dia da
morte do pai, nossa mãe não economizou esforços para que o seu corpo frio fosse
velado com o melhor. O caixão foi colocado no centro da mesa de jantar sobre uma
toalha branca de renda. O cheiro das camélias adocicava o ar.
Mãe
chegou na sala vestindo seu vestido de festa, o mesmo que usou no casamento de
tia Flora, estava perfumada e com os cabelos bem penteados. Poucas vezes a
tinha visto tão linda. Trazia um sorriso enigmático no rosto.
Com um puxão
violento arrancou do prego aquele vestido de renda amarelado pelo tempo,
consumado, que durante anos ficara pendurado na parede da sala. Coloco-o em uma
bandeja e atiçou fogo.
Enquanto
o vestido queimava diante do corpo do meu pai, nossa mãe servia um café com
broinhas de milho aos poucos parentes e vizinhos.
Enquanto
caminhava para o cemitério que ficava a algumas quadras de nossa casa, abraçada
a minha mãe, eu pensava com tristeza no pai e na história do vestido.
Lembrei-me
do dia que o pai saiu de casa, penso que tinha uns seis anos e minha irmã oito.
Ele era um homem bonito e forte, trajava um belo terno de linho e um chapéu de
palha. Montado no seu cavalo partira para uma grande aventura. Nossa mãe nos
disse que ele logo voltaria com muito dinheiro e que seríamos ricos.
Diariamente
imaginava meu pai conquistando reinos, lutando contra dragões, salvando
princesas prisioneiras em castelos, vencendo os mais violentos inimigos. O pai
era o meu herói. O tempo passava e a mãe não se entregava, costurava, fazia
doce, lavava roupa para fora. A mãe não chorava.
Um dia
nosso pai retornou, eu já não era mais criança, uns dez anos se passaram.
Agora estava
feio, de roupa velha, magro, destruído, perdera os alvos dentes, seus olhos se
apagaram. A grande aventura havia
consumido meu pobre pai.
Deu para
minha mãe aquele vestido de renda que nela não cabia e que por outra fora usado.
Mãe pregou na parede da sala o vestido sem dizer palavra.
Pai então
passou a dormir no celeiro, comia pouco o resto que sobrava, não se ouvia sua
voz. Uma dor o devorava. Minha mãe só remoçava e nos dizia que o pai estava
doente.
— Mãe, de
quem era o tal vestido?
— De uma
bruxa, minha filha, que afastou seu pai de nós por muitos anos. Seu pai
arrancou-lhe o coração e me trouxe o seu vestido.
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