A esperança
A esperança pousou no vidro do meu carro.
Leve, frágil, com pernas de bailarina, olhos brilhantes e
vestida com o verde fresco das manhãs.
O vento forte comprimia-a contra o vidro dianteiro do
carro, porém, algo mais forte evitava que ela saísse voando e se perdesse.
Ela corria o risco de despedaçar-se naquele trânsito louco, que alternava a
velocidade de 80 quilômetros com freadas abruptas nos semáforos.
Ela suportava, sem demonstrar qualquer sacrifício.
Parecia que meditava e, quase imóvel, seu corpo era só
paz.
Entre sinais fechados e toda a agitação da cidade, ela se
mantinha em estado de devaneio, criando
um mundo paralelo coberto de verdes.
Eu não me perturbava com a sua presença.
Eu tinha pressa, o tempo corria, estava atrasada.
Ao chegar ao trabalho, estacionei e a esperança pôde
então acordar de seu sonho.
A esperança não reconhecia aquele lugar depois de tantas
horas em movimento.
Agora, parada, sem sofrer os arrebatamentos da vida. Ela
não sabia o que fazer.
Eu também não.
Ignorei o pequeno ser, sobrevivente do longo trajeto.
Pensei que a esperança escolhera-me como sua motorista e assim pôde percorrer
quilômetros, diferente de seus iguais, impossibilitados de voar por longas
distâncias.
Como motorista da esperança, havia terminado a minha missão.
Estacionei o carro, peguei a minha bolsa e corri em
direção à portaria, com sorte pegaria o elevador.
No estacionamento, a esperança imóvel diante do vidro,
esperava que algo imprevisível acontecesse.
De repente, duas mãos a cercaram, não a apertaram, apenas
a seguraram com delicadeza.
E afastando-a com cuidado do vidro do carro, com extrema
cautela, conduziram-na para um novo e esperançoso destino.