domingo, 2 de maio de 2021

 

A esperança

A esperança pousou no vidro do meu carro.

Leve, frágil, com pernas de bailarina, olhos brilhantes e vestida com o verde fresco das manhãs.

O vento forte comprimia-a contra o vidro dianteiro do carro, porém, algo mais forte evitava que ela saísse voando e se perdesse.

Ela corria o risco de despedaçar-se  naquele trânsito louco, que alternava a velocidade de 80 quilômetros com freadas abruptas nos semáforos.

Ela suportava, sem demonstrar qualquer sacrifício.

Parecia que meditava e, quase imóvel, seu corpo era só paz.

Entre sinais fechados e toda a agitação da cidade, ela se mantinha  em estado de devaneio, criando um mundo paralelo coberto de verdes.

Eu não me perturbava com a sua presença.

Eu tinha pressa, o tempo corria, estava atrasada.

Ao chegar ao trabalho, estacionei e a esperança pôde então acordar de seu sonho.

A esperança não reconhecia aquele lugar depois de tantas horas em movimento.

Agora, parada, sem sofrer os arrebatamentos da vida. Ela não sabia o que fazer.

Eu também não.

Ignorei o pequeno ser, sobrevivente do longo trajeto.

Pensei que a esperança escolhera-me  como sua motorista e assim pôde percorrer quilômetros, diferente de seus iguais, impossibilitados de voar por longas distâncias.

Como motorista da esperança, havia terminado a minha missão.

Estacionei o carro, peguei a minha bolsa e corri em direção à portaria, com sorte pegaria o elevador. 

No estacionamento, a esperança imóvel diante do vidro, esperava que algo imprevisível acontecesse.   

De repente, duas mãos a cercaram, não a apertaram, apenas a seguraram com delicadeza.

E afastando-a com cuidado do vidro do carro, com extrema cautela, conduziram-na para um novo e esperançoso destino.

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