sexta-feira, 13 de agosto de 2021

 

Buscar palavras

 

Busco palavras

que amenizem a dor

Palavras que soem bem

Doces, mas não enjoadas

Vestidas com cores alegres

Que brinquem de esconder

Aqueçam no frio

Refresquem no calor

Não gritem, sussurrem

Sei que elas moram em mim

Mas não acham a porta.

Emoção costurada


Ela foi educada para ser forte e rígida.

Sua emoção foi costurada com uma linha resistente e com pontos cirúrgicos que uniam a borda da extensa ferida na sua pele.

Os pontos poderiam ser retirados no tempo certo para que a cicatriz ficasse imperceptível. Mas eles foram ficando e franzindo a pele ao redor.

Ela sabia que retirá-los, tardiamente, significava sangrar.

Pensou que nesse momento de vida seria insanidade libertar a emoção contida.

Sua racionalidade a afastava de ideias imprudentes.

Ela tinha medo da loucura.

Sempre se manteve afastada de tudo que considerava estranho, anormal, louco, demente ou perigoso. Como se fosse uma doença contagiosa. E foi ficando encurtada, atrofiada, apática e quase sem voz.

Para curar-se, ela sabe que precisa sangrar e contemplar o mundo que tanto a assusta.

Sabe que tirar os pontos tardiamente dói.  Mas, continuar com a emoção costurada não é mais possível.

 

#Ilhéuscomvocê



Barramares

docemar

seusalnaminhaboca

 

Almavoa

ventoleva

meusolhospousamnocoqueiro

 

Cançãoazul

notassalgadas

susurrandonoouvido

 

Marisianoar

cheirodesol

dourandoapelemorna

 

Corpoflutua

libertodesí

nemsintoareianospés

 





 Publicados no livro Sumo: - 2019:

#Ilhéuscomvocê

Emoção costurada

Buscar palavras


quinta-feira, 5 de agosto de 2021

      A Ametista e o beija-flor

 

     No longínquo e rochoso mundo mineral, onde habitavam as pedras preciosas, o rei Diamante com firmeza e austeridade comandava os seus súditos. Todas as pedras lhe obedeciam e mantinham suas características de brilho, cor e dureza. Fraturas e variações não eram permitidas. E assim, rubi, safira, esmeralda, água marinha, turmalina, granada, ametista, topázio e turquesa aguardavam petrificadas o momento mágico da extração, quando seriam finalmente lapidadas.

     A ametista tinha uma estranha afinidade com a esmeralda, ambas gostavam muito de ler.

     Ametista lendo, descobriu o significado do seu nome “não intoxicar” e ficou sabendo que poderia ser usada como amuleto contra a embriaguez.  O livro de mitologia fazia citação ao seu nome, seria ela uma ninfa transformada em cristal transparente para se proteger do assédio de Baco, e ele por puro deleite mergulho-a no vinho mudando a sua cor para violeta. Ela ria e se divertia, imaginando o quanto de coisas ela poderia ser.

     Esmeralda se gabava de ser a deusa verde de todas as pedras, pedra do amor, da fertilidade e da reencarnação para os egípcios, que a usavam nas múmias com a esperança da juventude eterna. Também os gregos a relacionavam a Afrodite, a deusa do amor. 

      Ametista e Esmeralda não sabiam exatamente o que era o amor, mas sabiam ler e desejavam ardentemente conhecer o mundo exterior. E durante muitos anos a leitura bastou para as duas.

     Numa manhã, o rei Diamante saiu do palácio para fazer sua inspeção, queria verificar se todas as pedras encontravam-se nos seus devidos lugares, protegidas da luz do dia e do aquecimento que poderiam danificá-las.  De repente, ouviu uma risada alta e espiando para o interior da jazida, viu Ametista lendo para Esmeralda. O rei Diamante que nunca havia aprendido a ler, não conseguiu esconder a sua inveja.  

     Elas com medo fecharam imediatamente o livro e abaixaram a cabeça numa postura de submissão.  O rei furioso começou a crescer, crescer, crescer... A ira o transformou em um gigante avermelhado e pequenas fraturas começaram a surgir. Num estrondo jamais ouvido, o rei Diamante se despedaçou e todo o reino mineral se desorganizou.

     Duas lascas acertaram as pedras leitoras e curiosas.  Ametista e Esmeralda foram transformadas.

     Ontem mesmo, buscando inspiração para a minha escrita, observava a natureza e esperava um sinal.  Quando vi, dançando na minha frente e rapidamente parando no ar, um beija-flor, muito pequeno, coberto de escamas de verde esmeralda e com a cabeça violeta. Ele beijava intermitentemente uma ametista, atraído talvez pela cor, o cheiro ou o sabor. Seja lá o que o capturou, ele se tornara prisioneiro do prazer proporcionado por aquela flor.

     A flor e o beija-flor enfeitiçaram o meu pensamento por horas e dias e fiquei imaginando que aquele pássaro não era apenas um beija-flor e aquela ametista não era apenas uma flor.

 

    

quinta-feira, 29 de julho de 2021

 

Inquietação

 

Inquietação me move

Sou Florbela Espanca “o meu reino fica para além”

“uma alma que se não senti bem onde está,

que tem saudades...sei lá de que!”

Vivo em busca do meu reino

onde a minha alma se sente bem

Minha inquietação tem luz

não é sombria

Não me deixa entristecer

Jamais perde a esperança

Minha alma é assim

Sempre em busca

Inquieta e esperançosa

Me basta?

Por enquanto, sim

Mas, sempre tenho saudades

Sei lá de quê.

 





A concha

Encosto a tua superfície

fria e salgada

Contra a minha concha orelha

doce e morna

Escuto o som do mar

Tu escutas os meus segredos

mais íntimos

Guardo-te numa caixa

Escondo-me

Somos criaturas enigmáticas

Guardamos o mar em nós


 Publicados no livro Vicejantes: - 2018:

A ametista e o beija-flor

A concha

Inquietação


 Publicados no livro Brumas e Brisas - 2017

"Tempo, tempo, tempo, tempo"
 
"A esperança" .


domingo, 2 de maio de 2021

 

A esperança

A esperança pousou no vidro do meu carro.

Leve, frágil, com pernas de bailarina, olhos brilhantes e vestida com o verde fresco das manhãs.

O vento forte comprimia-a contra o vidro dianteiro do carro, porém, algo mais forte evitava que ela saísse voando e se perdesse.

Ela corria o risco de despedaçar-se  naquele trânsito louco, que alternava a velocidade de 80 quilômetros com freadas abruptas nos semáforos.

Ela suportava, sem demonstrar qualquer sacrifício.

Parecia que meditava e, quase imóvel, seu corpo era só paz.

Entre sinais fechados e toda a agitação da cidade, ela se mantinha  em estado de devaneio, criando um mundo paralelo coberto de verdes.

Eu não me perturbava com a sua presença.

Eu tinha pressa, o tempo corria, estava atrasada.

Ao chegar ao trabalho, estacionei e a esperança pôde então acordar de seu sonho.

A esperança não reconhecia aquele lugar depois de tantas horas em movimento.

Agora, parada, sem sofrer os arrebatamentos da vida. Ela não sabia o que fazer.

Eu também não.

Ignorei o pequeno ser, sobrevivente do longo trajeto.

Pensei que a esperança escolhera-me  como sua motorista e assim pôde percorrer quilômetros, diferente de seus iguais, impossibilitados de voar por longas distâncias.

Como motorista da esperança, havia terminado a minha missão.

Estacionei o carro, peguei a minha bolsa e corri em direção à portaria, com sorte pegaria o elevador. 

No estacionamento, a esperança imóvel diante do vidro, esperava que algo imprevisível acontecesse.   

De repente, duas mãos a cercaram, não a apertaram, apenas a seguraram com delicadeza.

E afastando-a com cuidado do vidro do carro, com extrema cautela, conduziram-na para um novo e esperançoso destino.

 TEMPO, TEMPO, TEMPO, TEMPO

 

O meu tempo

é o seu tempo?

O meu tempo de hoje

é o meu tempo de ontem?

O tempo observava, escorregava, engatinhava, caminhava,

enquanto eu crescia.

Custava a chegar o domingo.

Demorou a chegar a adolescência

a faculdade, o casamento, os filhos pequenos...

Vieram as febres, as provas, os campeonatos, as birras, os aparelhos nos dentes,

os choros, as brincadeiras, as praias, as festinhas da escola, os vestibulares, as dúvidas e

os medos.

O tempo passando bem devagar.

Tomara que cresçam logo.

De repente tudo muda.

Rapidamente

O tempo está passando muito rápido.

O tempo agora corre, pula, salta, voa e eu me esforço para acompanhá-lo.

Será que está acontecendo com todo mundo?

Ou apenas é uma percepção minha?

Que correria!

As horas, os dias, os meses, os anos...

Como passam rápido.

Não vai dar tempo!

Ih! Não deu tempo.

Quem sabe amanhã?

Que correria!

As horas, os dias, os meses, os anos...

Como passam rápido.

Mas, não era assim...

Poesia escrita para a minha neta em maio de 2022 Maya   Minha casa Cheirando a flor recém-nascida Aconchego e colo morno   Pintada...