quinta-feira, 29 de julho de 2021

 

Inquietação

 

Inquietação me move

Sou Florbela Espanca “o meu reino fica para além”

“uma alma que se não senti bem onde está,

que tem saudades...sei lá de que!”

Vivo em busca do meu reino

onde a minha alma se sente bem

Minha inquietação tem luz

não é sombria

Não me deixa entristecer

Jamais perde a esperança

Minha alma é assim

Sempre em busca

Inquieta e esperançosa

Me basta?

Por enquanto, sim

Mas, sempre tenho saudades

Sei lá de quê.

 





A concha

Encosto a tua superfície

fria e salgada

Contra a minha concha orelha

doce e morna

Escuto o som do mar

Tu escutas os meus segredos

mais íntimos

Guardo-te numa caixa

Escondo-me

Somos criaturas enigmáticas

Guardamos o mar em nós


 Publicados no livro Vicejantes: - 2018:

A ametista e o beija-flor

A concha

Inquietação


 Publicados no livro Brumas e Brisas - 2017

"Tempo, tempo, tempo, tempo"
 
"A esperança" .


domingo, 2 de maio de 2021

 

A esperança

A esperança pousou no vidro do meu carro.

Leve, frágil, com pernas de bailarina, olhos brilhantes e vestida com o verde fresco das manhãs.

O vento forte comprimia-a contra o vidro dianteiro do carro, porém, algo mais forte evitava que ela saísse voando e se perdesse.

Ela corria o risco de despedaçar-se  naquele trânsito louco, que alternava a velocidade de 80 quilômetros com freadas abruptas nos semáforos.

Ela suportava, sem demonstrar qualquer sacrifício.

Parecia que meditava e, quase imóvel, seu corpo era só paz.

Entre sinais fechados e toda a agitação da cidade, ela se mantinha  em estado de devaneio, criando um mundo paralelo coberto de verdes.

Eu não me perturbava com a sua presença.

Eu tinha pressa, o tempo corria, estava atrasada.

Ao chegar ao trabalho, estacionei e a esperança pôde então acordar de seu sonho.

A esperança não reconhecia aquele lugar depois de tantas horas em movimento.

Agora, parada, sem sofrer os arrebatamentos da vida. Ela não sabia o que fazer.

Eu também não.

Ignorei o pequeno ser, sobrevivente do longo trajeto.

Pensei que a esperança escolhera-me  como sua motorista e assim pôde percorrer quilômetros, diferente de seus iguais, impossibilitados de voar por longas distâncias.

Como motorista da esperança, havia terminado a minha missão.

Estacionei o carro, peguei a minha bolsa e corri em direção à portaria, com sorte pegaria o elevador. 

No estacionamento, a esperança imóvel diante do vidro, esperava que algo imprevisível acontecesse.   

De repente, duas mãos a cercaram, não a apertaram, apenas a seguraram com delicadeza.

E afastando-a com cuidado do vidro do carro, com extrema cautela, conduziram-na para um novo e esperançoso destino.

 TEMPO, TEMPO, TEMPO, TEMPO

 

O meu tempo

é o seu tempo?

O meu tempo de hoje

é o meu tempo de ontem?

O tempo observava, escorregava, engatinhava, caminhava,

enquanto eu crescia.

Custava a chegar o domingo.

Demorou a chegar a adolescência

a faculdade, o casamento, os filhos pequenos...

Vieram as febres, as provas, os campeonatos, as birras, os aparelhos nos dentes,

os choros, as brincadeiras, as praias, as festinhas da escola, os vestibulares, as dúvidas e

os medos.

O tempo passando bem devagar.

Tomara que cresçam logo.

De repente tudo muda.

Rapidamente

O tempo está passando muito rápido.

O tempo agora corre, pula, salta, voa e eu me esforço para acompanhá-lo.

Será que está acontecendo com todo mundo?

Ou apenas é uma percepção minha?

Que correria!

As horas, os dias, os meses, os anos...

Como passam rápido.

Não vai dar tempo!

Ih! Não deu tempo.

Quem sabe amanhã?

Que correria!

As horas, os dias, os meses, os anos...

Como passam rápido.

Mas, não era assim...

quarta-feira, 31 de março de 2021

 

RAIVA

 

escondida

camuflada

de você

de mim

do outro

do mundo.

 

Ela foi treinada a engolir a raiva.

Embora tenha tido vários ataques de raiva durante a infância e a na adolescência.

Na vida adulta foi aprendendo que a raiva deve ser contida.

E ficou boa nisso.

Reconhecida por ser calma, ponderada e conciliadora.

Tem se saído bem.

Elogiada.

Quando fica possessa de tanta raiva, se tranca no quarto, resmunga, chora e soluça.

Pouquíssimas vezes, se dá ao luxo de gritar, quebrar o que está na frente ou partir para a briga.

Acho que ela nem lembra mais como é isso.

Afinal raiva do chefe, dos filhos e do marido, precisa ser engolida.

Melhor assim!

Deixar esfriar!

Perder o emprego nesse momento difícil? Deixa disso!

Engolir um sapinho? Mole para nós!

Brigar com filhos? Nem vale a pena! Afinal o motivo por que eles brigam hoje ela já conhece desde os vinte anos.

Vão crescer!

Brigar com o marido? Esse sim!

Bagunceiro, desorganizado, espalha coisas pela casa (livros em cima da mesa, toalha molhada no chão do banheiro), perde a chave do carro, esquece de pagar a conta...

Gastador, nem se preocupa com a conta no vermelho.

Acumulador, jamais joga algo fora.

E sempre de bom humor!

Que bom humor é esse?

Que raiva ela sente desse bom humor.

Ela tem toda a razão de ter muita raiva.

Ele é insuportável.


MINHA CASA


Da minha janela
vejo bananeiras
No porão
nascem avencas
No jardim
antúrios escarlates
desavergonhadamente
amam

 


ARVORO-ME

Que mensagem você quer me passar? Apenas uma palavra num pequeno papel.

“Arvoro-me”

Palavra estranha essa, não faz parte do meu vocabulário e desconheço o significado.

Assumindo a minha ignorância, vou para o dicionário e busco decifrar o enigma.

Vem do verbo arvorar.

Mais confusa fico com os significados.

Plantar arvores (arborizar), erguer verticalmente, içar, desfraldar, hastear, parar de remar, ostentar, exibir...

Busco dentro de mim um significado.

Como uma arvore, presa à terra, ergo-me em direção ao céu.

Meus galhos hasteados.

O vento forte me impede de remar e é preciso arvorar.

Ostento poderosamente a semente germinada.

Desarvoro-me.

Completamente desnorteada, confusa e sem rumo.

Fujo do entendimento.

Lembro de Clarisse:

“Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.” (Clarice Lispector)

domingo, 21 de março de 2021

MEU CADERNO DE BORDO 1 - CONSTELAÇÃO DE REFERÊNCIA LITERÁRIA 

Recebi um convite  da minha mentora em biblioterapia Cristiana Seixas para criar um caderno de bordo. Ela sugeriu que iniciasse meu caderno fazendo uma homenagem a dez escritores que admiro.

Então,  fui até a minha estante e alguns livros pediram para sair. Os mais sociáveis e expansivos, mas também os que estavam ansiosos para dar uma voltinha. Alguns tímidos ficaram. Eles terão a sua vez.

Escolhi dez livros que foram importantes em algum momento da minha vida.

Provavelmente, quem está lendo esse blog agora, também tem os seus.

Pode ser que os meus escolhidos não digam nada para você. Às vezes um livro fala muito para uma pessoa e nada para outra.

Então, esses são alguns livros que falaram com a minha alma. Quando os li saí diferente do que era.

  • 1.      A hora da estrela - Clarice Lispector

“Não, não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas. Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados.”

  • 2.      O amor nos tempos do cólera – Gabriel García Marques

“...os seres humanos não nascem para sempre no dia em que as mães os dão à luz, e sim que a vida os obriga outra vez e muitas vezes a se parirem a si mesmos.”

  • 3.      O conto da ilha desconhecida – José Saramago

“Se não sais de ti, não chegas a saber quem és.”

  • 4.      O profeta – Khalil Gibran

“Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da aspiração divina pela vida. Vêm por vosso intermédio, mas não de vós.”

  • 5.      A história de Fernão Capelo Gaivota – Richard Bach

“Podemos ser livres! Podemos aprender a voar!”

  • 6.      Mulheres que correm com os lobos – Clarissa Pinkola Estés

“...ser nós mesmas faz com que nos isolemos de muitos outros e, entretanto, ceder aos desejos dos outros faz com que nos isolemos de nós mesmas.”

  • 7.      Apontamentos da história sobrenatural – Mário Quintana

O velho do espelho

“Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse

Que me olha e é tão mais velho do que eu?”

  • 8.      Livro do desassossego – Fernando Pessoa

“Se o que eu deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também.”

“Tudo me interessa e nada me prende.”

“Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir.”

  • 9.      A rosa do povo – Carlos Drummond  de Andrade

Carrego comigo

“Não estou vazio,

Não estou sozinho,

Pois anda comigo

Algo indescritível”

  • 10.  Confesso que vivi – Pablo Neruda

”... direi que a loucura, certa loucura, anda muitas vezes de braço dado com a poesia. É tão difícil as pessoas razoáveis se tornarem poetas quanto os poetas se tornarem razoáveis.”

 

 Em breve, tiro os tímidos da estante.

 

 

 

 

segunda-feira, 15 de março de 2021

 


A vida em aquarela

 

Hoje, as minhas relações com aqueles que me cercam são mais leves.

É como o pincel deslizando pelo papel branco da aquarela, carregando consigo água e cor.

Essa é a leveza que estou aprendendo.

Da aquarela para a minha vida.

Diante do agora posso fazer qualquer coisa.

O momento é apenas uma folha de papel.

Desenho o que acredito ser belo, mas principalmente algo

que fale ao meu coração.

Escolho cor e alegria.

A água escorre e se deixa absorver.

A lágrima brota.

A emoção já não cabe mais dentro de mim e preciso transbordar.

Cor e água.

Alegria e emoção.

Absorvendo, criando e sentindo.

Surge a imagem que traz felicidade.

Surgem as relações que me fazem feliz.

Relações sem amarras, livres, para serem o que quiserem.

Até que um dia percam a cor.

Até descolorir.

 

12-07-2015

Poesia escrita para a minha neta em maio de 2022 Maya   Minha casa Cheirando a flor recém-nascida Aconchego e colo morno   Pintada...